Bertrand Lira

Bertrand Lira é cineasta e professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPB/Campus I
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‘Homem com H’: Ney Matogrosso nu e cru numa contundente cinebiografia

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A força desse filme biográfico vem das histórias narradas no livro ‘Ney Matogrosso: A biografia’ (2021, 480 páginas), de Júlio Maria, cujos relatos estão dramatizados no filme ‘Homem com H’ (2025, 121min) dirigido pelo cineasta paulista Esmir Filho com Jesuíta Barbosa como Ney Matogrosso. Certamente um outro livro autobiográfico, ‘Ney Matogrosso Vira-lata de Raça – Memórias’, contribuiu significativamente para o que vemos e ouvimos em ‘Homem com H’, cuja bilheteria já a da casa dos 500 mil ingressos vendidos, com o filme ainda em cartaz em diversas salas do país.

‘Homem com H’ segue, de um modo geral, uma ordem cronológica na trajetória de vida e profissional do cantor Ney Matogrosso: infância, fase adulta e o estrelato. Em plena vigência da Ditadura Militar, surge o grupo Secos e Molhados chocando os conservadores e magnetizando adultos, adolescentes e crianças. Nunca tínhamos visto e ouvido algo igual: um homem com voz de contralto, performance andrógena, selvagem, misteriosa. Não poderia ar impune num momento de tamanha repressão institucional. O grupo, que tinha em Ney sua maior força, teve uma agem meteórica, mas, felizmente, deixou seu principal legado: o talento e a coragem do seu crooner.

O filme começa com Ney criança sofrendo a violência do pai autoritário (Rômulo Braga), um militar, com regras e visão de mundo ortodoxas ao modo ‘Deus, Pátria e Família’, lema nazista adotada pelos fascistas tupiniquins a partir da trágica chegada de Bolsonaro à presidência do país. A estoicidade do menino demonstra o que será o Ney adulto. “Sempre reagi ao autoritarismo, dentro e fora do círculo familiar. Eu não tinha a inocência das crianças e entendia tudo do mundo adulto, as conversas debaixo dos panos”, inicia Ney no livro de memórias. E é o que o filme representa em cenas punjentes.

Esmir Filho não faz concessões ao melodrama nesses momentos difíceis da vida do artista, como os da infância e adolescência com a violência paterna, a sua deserção do lar para se alistar aos 17 anos na Aeronáutica, no Rio de Janeiro, e os últimos e sofridos dias de vida do companheiro Marco de Maria (Bruno Montaleone) morto pelo HIV.  Parece que nada ficou fora do roteiro escrito pelo diretor e roteirista Esmir Filho (43 anos) que leva na bagagem dois curtas super premiados em festival no Brasil e no exterior: ‘Alguma coisa assim’ e ‘Tapa na Pantera’ (2006), ‘Saliva’ (2007) e os longas-metragens ‘Os famosos e os duendes da morte (2010), Melhor Filme no festival do Rio, ‘Alguma coisa assim’ (2017) e ‘Verlust’ (2020). Esmir filho também atua na produção (‘Alguma coisa assim’, o curta e o longa), e ‘Eu nunca’ (2015), longa escrito e dirigido por Kauê Telloli.

A imersão do diretor/roteirista no universo do cinebiografado levou a uma simbiose de ideias, não necessariamente fieis aos relatos, mas que traduziam sentimentos e emoções vividas por Ney em suas memórias que seriam representadas por Esmir na sua narrativa estruturada em ações e conflitos como toda narrativa dramática. Ney aprovou o roteiro e deu liberdade ao diretor para criar. O resultado é surpreendente e à altura da ‘entidade’ que é Ney Matogrosso. Além do que, a caracterização de Jesuíta Barbosa vai muito além das expectativas. ‘Homem com H’ é ousado, sensível e surpreendente.

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